domingo, 9 de abril de 2017

O Para-Choque da Língua Portuguesa

Que a língua portuguesa é difícil de aprender a ler, de escrever, de falar e de entender a fala ninguém discorda, inclusive entre os falantes nativos. Quando alguém fala, por exemplo, "está aí um grande problema", podemos acabar ouvindo "isto aí um grande problema", e decidimos pela primeira porque acreditamos fazer mais sentido. E esse é um exemplo feito de última hora, mas certamente há exemplos bem mais interessantes. Nas formas escritas, então, saber escrever o que se quer realmente pode ser complicado também.

Remover as dubiedades de um texto pode ser uma tarefa um tanto difícil. Talvez por isso haja tanta confusão nas redes sociais, onde por vezes um comentário feito sem nenhuma pretensão pode virar uma enorme polêmica. Mas isso ocorre também na forma falada. Uma simples frase em um discurso pode arruinar a carreira de um político. Ele pode ser acusado de machista, sexista, homofóbico, racista e muitos outros adjetivos pejorativos por conta de uma frase que em sua cabeça não tinha a menor intenção de ofender ou pelo menos provocar alguém. Mas, os defensores do tudo de plantão estavam lá, anotando cada sílaba para tirar as conclusões mais mirabolantes possíveis e transformar uma simples frase em um incidente de proporções internacionais. Tudo bem... os jornais, os blogueiros, os colunistas precisam garantir seu ganha-pão. Ganha-pão tem hífen mesmo?

Pois é. O novo acordo ortográfico adotou regras para as quais cita exemplos, mas as regras, apesar de estarem bastante claras e apesar de se esperar que fossem bastante objetivas para evitarem interpretações divergentes parece ter deixado um vazio somente porque não foi exaustivo em seus exemplos. Mas exemplos precisavam ser exaustivos? Exemplo é uma amostra. Como amostra, serve para comparar com os demais casos que podem usar-lhe como referência. Contudo, não é isso que acontece na prática.

Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP)  adota a palavra para-choque em lugar de "parachoque". Mas paraquedas substituiu "pára-quedas". A regra está no parágrafo primeiro da Base XV do Decreto 6.583 de 29 de setembro de 2008:

"1º)Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arcebispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, afro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva. 

Obs.:  Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc."

Quando alguém diz que quebrou o para-choque, lembra que 'para' é uma palavra e 'choque' é outra? Eu nunca! Ou seja, a observação que segue o parágrafo primeiro transcrito acima se aplica perfeitamente ao caso do "parachoque". Mesmo assim, os dicionários usam "para-choque" e o VOLP registra também desse modo. Aí, para estarmos dentro da "norma culta" devemos escrever "para-choque" mesmo que isso não faça o menor sentido.

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